Os antecedentes mais remotos do Estágio da Aroeira começam há mais de vinte anos com o instrutor Francisco Silva - na altura 2º kyu e ex-comando, acabado de chegar da Guiné - que propôs à classe de Karate-Do do Judo Clube de Almada a realização de um “treino de sobrevivência” à maneira militar, a realizar em pleno mês de Agosto na Comporta. À medida que o instrutor ia preparando psicologicamente os “caloiros” para as agruras que os esperavam a lista de desistências ia aumentando. Eram as inesperadas férias dos pais, uma súbita dôr no joelho, etc, etc. Certo é que, quando se chegou à véspera do evento, dos trinta “corajosos” que se tinham inscrito, restavam apenas dois, para além do instrutor, claro está. Calhou-me a “sorte” de ser um desses dois “mancebos”. Para além da dureza habitual dos treinos havia de tudo um pouco, desde encontrar lenha para cozinhar no mais árido dos areais, até refeições tomadas no fumo da fogueira para escapar a uma nuvem de mosquitos, passando por rastejar 200m “à crocodilo” sem deixar rasto na areia (!), mais provas de orientação nocturna, até à apoteose final de correr 5km descalço (!) às duas da tarde em cima do asfalto (a pele da planta dos pés ficou lá, logo no primeiro quilómetro !)... Enfim, uma recepção requintada para dois moços de 16 anos, até então ignorantes da disciplina militar que os esperava daí a pouco tempo, na preparação para a guerra colonial que pairava como um espectro sinistro no futuro de todos os rapazes de então. Desde esse primeiro “estágio”, a tradição dos acampamentos de verão nunca mais cessou. É certo que os eventuais “exageros militaristas” do primeiro ano amainaram um pouco, mas ficou sempre o “bichinho”. Recordo com saudade, o treino das “1001 Taikyoku Shodan’s” - horas e horas repetindo incessantemente o “Hajime” ao luar na frescura da noite, na Praia de Alpertuche, na Arrábida. E o treino de Seiza no “ninho das águias” a meio de uma falésia de uma centena de metros sobre o mar. E os acampamentos na Lagoa de Albufeira, com o armar das tendas já noite escura e o desarmar antes do Sol nascer por causa dos “cabos do mar”. E a tradicional apoteose com jogos de raguebi de praia, para queimar as últimas résteas de energia. Enfim, uma memória de locais e de situações que jamais seria possível de transpor para o papel. E eis quando, em 1989, o Sr. Carlos Alberto Mendes - nessa altura ele próprio também caloiro - surge com uma proposta aliciante: uma vez que era co-proprietário de um terreno de 17 ha, junto à Praia do Rei, onde tinha sido interdita a construção devido à instituição do estatuto da Reserva Natural da Arriba Fóssil, porque não utilizar esse local para um estágio de Verão em regime de acampamento, com treinos na Praia do Rei ? A ideia concretizou-se logo nesse Verão e, em pouco tempo, o “treino da Aroeira” passava a Estágio Regional, depois a Estágio Nacional, chegando mesmo a reunir karatecas de vários países da Europa. Claro que, para isso, houve que mudar um pouco o aspecto “selvagem” dos primeiros anos. Quantos karatecas não guardarão ainda na memória o sabor salgado do esforço de abrir, à enxada, a vala para a colocação das várias centenas de metros de conduta de água que hoje permite a todos disfrutar de um bom banho de água doce depois do treino ? “A Aroeira” foi tudo isto, e foi muito mais também. Mas muito, muito mais poderá ser no futuro se os “pés tenros” deste ano a sentirem pelo menos com o espírito de um cinto amarelo que, há vinte e tal anos, ninguém chamava de “José Patrão” ele era simplesmente o...